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Reevo

A alquimia das Américas na educação

A alquimia das Américas na educação

No início de agosto de 2017, participei da AERO Conference, encontro anual de referência na educação alternativa norteamericana. Cerca de 100 pessoas, em sua maioria provenientes dos diversos estados americanos e do Canadá, se reuniram para trocar experiências e se mobilizar em torno do tema. Havia também alguns europeus e pessoas da Ásia, como China e Paquistão. Da América Latina participou um colombiano, além do German Doin e a Virgínia Blaistein da Argentina e eu do Brasil.

A Conferência aconteceu na Universidade de Long Island, em Nova York, e contou com um formato essencialmente de palestras em um auditório e workshops temáticos. Grande parte dos temas abordados tinha como foco a desescolarização (unschooling) e os centros de aprendizado autodirigido, espaços de convivência criados como alternativas às escolas. Dentre muitos debates, um que se destacou foi entre pais e educadores que não veem esperanças nas escolas e por isto estão construindo soluções paralelas e, de outro lado, aqueles que apostam na importância das escolas, atuando dentro delas para transformá-las.

Sejam escolas democráticas, unschoolers ou centros de educação autodirigida, todos buscam desenvolver a educação a partir da liberdade. De fato nos Estados Unidos esta ideia de liberdade parece ter uma relevância especial: a economia do livre mercado, uma águia no brasão nacional, a Estátua da Liberdade como símbolo. A história do país foi impulsionada pela defesa das liberdades individuais, os direitos humanos civis, uma democracia fincada neste valor.

Peter Gray, autor do livro Free to Learn (Livre para Aprender) participou da conferência trazendo seus estudos sobre a biologia e psicologia humanas: quando estamos em ambientes controlados, sem margem para decisões individuais e obrigados a atender expectativas alheias, nossa capacidade de aprender se reduz. A criatividade é potencializada quando podemos escolher para onde direcionar nossa atenção e estudo segundo nossas paixões.

Nossa participação enquanto Reevo aconteceu porque a organização da AERO tinha interesse em compreender o movimento de educação alternativa na América Latina e por isso convidou o German Doin para uma palestra. Ele falou sobre os movimentos ao sul da fronteira como por exemplo o IV ENA (Encuentro Nuestramericano, que aconteceu em junho de 2017 em Brasília) e provocou o debate ao dizer que a transformação da educação na América Latina estaria atrelada a movimentos de transformação social, como feministas, indígenas, igualdade racial e de oportunidades, LGBT, ambientais e etc.

 

Isso me fez pensar bastante sobre o que nos faz latinoamericanos. E bem... somos um povo cheio de emoções e de afeto. E também de uma história comum de colonização, resistência, desigualdades sociais grandes e ímpeto por transformá-las. As redes de educação que estamos tecendo por aqui têm alguns elementos geradores destes novos paradigmas. Vou citar quatro deles.

  1. Corpo: a música, a dança, as festas, são ingredientes importantes para nós. Queremos despertar outras inteligências, não apenas a racional. A inteligência que se ativa pela poesia, pelo toque, pelo intuitivo e sensível, pelo emocional. A inteligência dos vínculos afetivos.
  2. Cooperação: está nas nossas raízes africana e indígena, como no princípio africano Ubuntu (eu sou porque somos) e no conceito quéchua Ayni (colaboração, comunidade). Encontros com hospedagem solidária, caronas, rodas de conversa, almoços coletivos, economia colaborativa, são alguns exemplos de uma cultura que tem priorizado a cooperação sobre a competição.
  3. Voz jovem: os protagonistas de muitos movimentos de renovação educativa pela América Latina têm sido os próprios estudantes das escolas. Adolescentes que tomam a linha de frente e por meio de uma ousada criatividade surpreendem a sociedade com suas propostas sobre a educação que eles querem construir. A ocupação de mais de mil escolas por secundaristas no Brasil recentemente e os movimentos nas universidades chilenas mostram esta força da juventude latinoamericana.
  4. Natureza e espaço público: a integração com o meio ambiente é tema recorrente nos projetos educativos alternativos da América Latina. Uma relação respeitosa com a natureza, escolas que utilizam bioconstrução, agrofloresta e permacultura como princípios. No meio urbano, pensar a cidade educadora, “encher a cidade de crianças”, como sonhava Paulo Freire. A SEA (Semana de las Educaciones Alternativas, 2015) em Bogotá aconteceu por toda a cidade, envolvendo milhares de pessoas pelas praças, parques e equipamentos públicos. A Virada Educação, que acontece há alguns anos em São Paulo e em outras cidades brasileiras, também.

Isto não quer dizer que na América do Norte estes elementos não existam. Sim, estão presentes, mas aparentemente em menor medida. A contribuição principal norteamericana talvez seja a bandeira da liberdade das crianças escolherem o que, quando e como querem aprender. As escolas democráticas norteamericanas e os movimentos de desescolarização e centros de educação autodirigida inspiram projetos pelo mundo e nos fazem pensar sobre novas respostas educativas para além da escola.

Essa liberdade, por sua vez, potencializa a transformação da educação quando aliada à colaboração, natureza, protagonismo juvenil e sensibilidade, essências tão presentes na alma latinoamericana.

Alma latinoamericana que grita por ser reconhecida, valorizada e entendida. 

Vanessa Pinheiro

Vanessa Pinheiro

Investigadora de almas, Sonhadora de mundos possíveis
Descripción

Brasileira, 29 anos, apaixonada por estudar a alma humana, o que nos une como essência - individual e coletiva. Como educadora, trabalhou com alfabetização de adultos e educação política de...

    Vanessa Pinheiro

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    Investigadora de almas, Sonhadora de mundos possíveis